sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Impunidade premiada

Por Madalena de Jesus*

Volta e meia encontro pessoas ainda indignadas com o desfecho da novela Passione, exibida até recentemente pela Rede Globo. Aliás, a sua substituta, Insensato Coração, já começou em clima policialesco, com direito a tentativa de sequestro de avião, ação abortada pelo mocinho da trama, vivido pelo ator Eriberto Leão, que mesmo sem saber pilotar aeronaves pesadas (ele mesmo disse) salvou todo mundo.

Confesso que tenho forte atração por novelas, como por qualquer narrativa que tenha início, meio e fim. Isso mesmo! Exatamente o que faltou na obra de Sílvio de Abreu: um fim decente para as histórias que ele criou, algumas sem qualquer traço de verossimilhança, é verdade, mas outras bem reais.

Extremamente cuidadoso em “guardar” a autoria dos crimes que acontecem em suas novelas (Quem matou Odete Hoitman?) e perfeito criador de situações de suspense (A Próxima Vítima), dessa vez ele exagerou nas duas fórmulas. Em entrevista a um programa de tv, Silvio disse que o assassino estaria entre Fred, personagem de Reinaldo Gianechini, e mais quatro figuras da trama que visitariam seu apartamento nos capítulos finais.

Aí começou a sua brincadeira de mau gosto com o público que lhe garante audiência no horário nobre e, por consequência, seu salário. Desfilaram pelo “moquifo” do mau caráter equivocado, que passou a novela inteira adorando um pai idem, personagens que já estavam com seus destinos traçados: Gerson, Danilo e Laura. O primeiro já de casamento marcado com a mocinha Felícia; o segundo recuperado do crack e ajudando outros viciados; e a terceira, foi peça fundamental para a família Gouveia recuperar a empresa.

E então? Quem sobrou? Tchan, tchan, tchan, tchan… Clara, é claro (o trocadilho é inevitável). Ela que chegou no apartamento do ex-namorado e ex-comparsa antes dele, quando o mesmo saiu da cadeia, e conforme uma cena de flash back, colocou a arma do crime atrás da geladeira. Bom, não foi falta de aviso. Clara prometeu se vingar, desde que o Fred lhe passou a perna na armação em que tomaram a herança de Totó, o filho bastardo da matriarca Bete Gouveia, a “mama brasiliana” que comeu o pão que o diabo amassou a novela inteira.

Em uma ideia magistral, Silvio de Abreu disfarçou um investigador de polícia de cantor, fez que matou o ítalo-brasileiro simpático e até então babaca, que era enganado pela vilã gostosa e irrecuperável. E mais: deu sinais de que o mesmo assassino de Saulo Gouveia teria sido o algoz de seu pai, Eugênio Gouveia, que assim como ele não era flor que se cheirasse.

O que o autor esqueceu foi de contar o principal. Somente Clara, a assassina, e Fred, o marginal que tinha muito que pagar, mas acabou pagando pelo que não fez, ficaram sabendo do final da história. E o público, que assistiu, estarrecido, uma pobre garçonete ser acusada de roubo e morrer “de graça”, um drogado que entrou sem que nem para que na trama e foi simplesmente esquecido, e uma vilã que se safa de forma espetacular, faz que morre e reaparece em outro lugar, pronta para fazer tudo de novo, premiada pela impunidade.

Bem que dizem que a arte imita a vida. Ou seria o contrário?

*Madalena de Jesus é jornalista e professora.