terça-feira, 27 de setembro de 2011

"CORDEL ENCANTADO" E UMA NOVA VISÃO DO NORDESTE







Artigo do jornalista Evandro Matos* a abordagem sobre a Região Nordeste na novela "Cordel Encantado", publicado no Jornal A Tarde e no blog Demais.


Imagem própria
Enfim, a Globo voltou a escolher um tema interessante para a novela das 18 horas. Com "Cordel Encantado" a emissora recupera preciosos pontos da audiência no horário e dá à Região Nordeste o direito de expor a sua própria imagem e costumes, diferente da visão subalterna e consumidora que impunha em outros momentos.
Mudanças na mente
A impressão que temos, agora, é que, devido ao sucesso da novela e a forma como ela foi concebida pela diretora Amora Mautner, três coisas mudarão significativamente na mente das pessoas após o seu final: o conceito sobre a região nordestina, a visão sobre o cangaço e o olhar sobre rio São Francisco.
Sotaque valorizado
No primeiro caso, finalmente o Nordeste aparece nas telas da Globo com a sua verdadeira cara, sem importação de hábitos e costumes e impondo a sua própria cultura e o jeito de ser do seu povo. A sua linguagem e o seu sotaque estão, acima de tudo, valorizados.
Temáticas rediscutidas
Para mostrar a região, a trama também resgata nuances históricas das suas temáticas, como o coronelismo, o messianismo de Antonio Conselheiro, a religiosidade de Padre Cícero e o próprio cangaço de Virgulino Ferreira, o Lampião.
Identidade do Nordeste
É verdade que a autora se preocupa em mostrar os efeitos negativos da problemática social, mas é a partir disso também que ela insere novos valores, mostrando que, apesar de toda a miséria, a região também é rica em alegria e entretenimento. A Globo redescobre o Nordeste, apresentando para o país a sua gente, seus costumes, mas, acima de tudo, a sua riqueza cultural e a sua verdadeira identidade.
Visão acadêmica
Por isso, nesse momento, refletimos e discordamos da tese do professor Durval Muniz de Albuquerque Jr, que em seu livro "A Invenção do Nordeste" tenta desconstruir os discursos de escritores e artistas, que, segundo ele, como os políticos da região, tiraram proveito ao denunciarem todo o seu quadro de miséria.
Saga sertaneja
Talvez se o autor vivesse cá entre nós, entenderia que quando Graciliano Ramos escreveu a saga de Fabiano e Sinhá Vitória ("Vidas Secas") quis apenas fazer uma denúncia social. Da mesma forma, quando cantou "A Volta da Asa Branca", Luiz Gonzaga apenas expressou o sentimento de alegria do povo nordestino após o fim de um ciclo de seca e miséria.
Beber nas fontes
Contrariando a posição de Muniz, na trama a diretora Amora Mautner reforça a tese de que hoje nada se cria, tudo se copia. Sabiamente ela bebe na obra de quase todos os escritores e artistas nordestinos, de Graciliano Ramos a João Cabral de Melo Neto, de Euclides da Cunha a Ariano Suassuna, de Luiz Gonzaga a Lirinha. Assim, ver o profeta Miguezim é rever o Antonio Conselheiro de "Os Sertões", assim como ver Herculano é reencontrar o Lampião retratado por Antônio Amauri Correia de Araújo.
Resgate de valores
Portanto, ao mostrar esses ricos personagens da literatura e do folclore nordestino, a Globo redescobre a região para as novas gerações, resgatando os seus valores culturais e as riquezas encravadas no sertão de Brogodó e Vila da Cruz, cidades imaginárias que são representadas por Canindé do São Francisco, em Sergipe, e Piranhas, em Alagoas, onde aconteceu boa parte das gravações de "Cordel Encantado".
Cangaço novo
Com forte temática na novela, o cangaço também ressurge com uma nova roupagem. Por isso, não é exagero afirmar que uma nova visão paira sobre o tema, justamente a partir do viés que a Globo vem lhe dando.
Cangaço brando
Em "Cordel Encantado", o cangaço não significa apenas a velha imagem de crimes e sangue derramado no sertão. Ao contrário, há um Herculano (o rei do cangaço na trama) mais humano, que, como Lampião, penetra no meio urbano; há Cândida, mãe do cangaceiro, que não cumpriu este papel na vida real, mas surge para dá um perfil mais brando ao cangaço.
Queda de paradigmas
Em Cordel, rei do cangaço conversa com o rei de Seráfia e cangaceiro namora a primeira-dama e a duquesa. Enfim, há uma mistura de valores e uma quebra de paradigmas que põe fim às diferenças entre o homem rude do sertão com o urbano.
São Francisco
A novela também traz as ricas paisagens do rio São Francisco, cujas imagens valem muito mais do que um comercial. Os cânions no trecho de Paulo Afonso a Xingó botam os nossos olhos para sonhar. Se o rio já era místico e desejado, agora ele será muito mais valorizado e procurado. Dessa forma, ao mostrar as paisagens ribeirinhas do Velho Chico, a emissora carioca ajuda a impulsionar mais ainda o turismo na região.
Trilha sonora
Aliado a isso, acrescente-se outros valores que foram recuperados, como a trilha sonora escolhida para ilustrar as cenas da novela. Músicas que retratam a miséria da região, como "Carcará", de João do Vale, ou canções que embalaram romances da sua gente, como "Chão de Giz", de Zé Ramalho, e "Na Primeira Manhã", de Alceu Valença. Isso, sem esquecer o elenco recheado de atores nordestinos e baianos, escolhidos a capricho.
Ressurreição do adormecido
Enfim, o conjunto das imagens que se sucedem, dos personagens que nos representam, do rio encantado, do coronel decadente e do cangaço humanizado, coloca o Nordeste com um maior atrativo turístico e cultural, porque ressuscita algo que estava adormecido nas gerações mais velhas e agrega mais valores às gerações mais novas.
Patrimônio a ser desvendado
Doravante, conhecer o Nordeste vai ser muito mais atraente para os moradores de outras regiões, principalmente por se saber que dentro do seu território existe um vasto patrimônio cultural a ser desvendado, mas também porque se trata de uma região que, hoje, cresce acima da média nacional.

* Evandro Matos é jornalista, assessor de comunicação da CBPM e diretor do portal "Interior da Bahia"

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