segunda-feira, 28 de julho de 2014

MORTE E VIDA SEVERINA



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- O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

Trecho do Auto de Natal Pernambucano, de
João Cabral de Melo Neto

sexta-feira, 25 de julho de 2014

NA ESCOLA OU NA RUA, A MAGIA DO SAMBA DE RODA












Escola é o lugar onde aprendemos a ler e escrever. Certo? Errado. Na escola é possível aprender muito mais, inclusive sambar ou quem sabe até ensaiar alguns toques no pandeiro, esse instrumento mágico que comanda os demais e garante a cadência do ritmo mais popular do Brasil. E como as crianças aprenderam com o projeto Samba de Roda, Samba de Todos! Foram cinco escolas, apenas. O suficiente para plantar a semente que será regada por uma nova geração de meninos e meninas.

Outra grande lição deixada pelo projeto foi que o samba não é apenas um gênero musical, mas identidade cultural .  E isso foi dito repetidas vezes por todos os palestrantes que participaram do seminário e das mesas redondas realizadas. Bonito de se ver mesmo, nesse período, foi a academia chegar bem perto das comunidades e dizer: olha, isso que vocês fazem aqui é nosso objeto de estudo. Não é à toa que o samba de roda é reconhecido como patrimônio da humanidade.

E os sambadores e sambadeiras lá, do alto de toda a sabedoria popular, encerravam cada apresentação teórica sobre aquilo que eles sabem de cor fazendo o que sabem e gostam de fazer. Ao som do pandeiro, do tambor, do cavaquinho e do violão, mais a cuíca e o reco reco, eles cantavam e sambavam contagiando a todos. Nessa hora, não existe limite de idade, nem regra estabelecida. Afinal, pode ser samba martelo, chula, coco, não importa, é tudo samba.

Da sala de aula para a rua foi um pulo. Ou melhor, um passo. Melhor ainda, alguns passos. Em praça pública, a da Cidade Nova, o samba de roda ganhou o espaço e o destaque que merece. Um grande palco foi montado para as rodas animadas por grupos de samba de Feira de Santana e de todos os municípios do Portal do Sertão. Cada um do seu jeito, com o seu estilo próprio. Mas todos na mesma batida: a batida do samba de roda. Aquela que entra pelo ouvido, mexe com os pés e o resto do corpo e chega ao coração.

Madalena de Jesus

segunda-feira, 21 de julho de 2014

ESCRITORES E COZINHEIROS



Tenho um sonho que, acho, nunca realizarei: gostaria de ter um restaurante. Mais precisamente: gostaria de ser um cozinheiro. As cozinhas são lugares que me fascinam, mágicos: ali se prepara o prazer. Mas para preparar o prazer, o cozinheiro deve ser psicólogo, um adivinho de desejos, conhecedor dos segredos da alma e do corpo. Mas não sei cozinhar. Acho que é por isso que escrevo. Escrevo como quem cozinha. Minha cabeça é uma cozinha. O cozinheiro cozinha pensando no prazer que sua arte irá causar naquele que come. Eu escrevo pensando no prazer que o meu texto poderá produzir naquele que me lê.

A relação entre cozinhar e escrever tem sido frequentemente reconhecida pelos escritores. É a própria etimologia que revela a origem comum de cozinheiros e escritores. Nas suas origens, sabor e saber são a mesma coisa. O verbo 1atino sapare significa, a um tempo, tanto saber quanto ter sabor. Os mais velhos haverão de se lembrar que, num português que não se fala mais, usava-se dizer de uma comida que ela sabia bem. Saber e experimentar o gosto das coisas: comê-las. O sábio é aquele que conhece não só com os olhos, mas especialmente com a boca. Quem conhece só com os olhos conhece de longe, pois a visão exige distância; muito de perto a gente não vê nada. Quem conhece com a boca conhece de perto, pois só se pode senti gosto daquilo que já está dentro do corpo.

Suspeito que Roland Barthes também tivesse uma secreta inveja dos cozinheiros. Se assim não fosse, como explicar a espantosa revelação com que termina um dos seus mais belos textos, a lição? Confessa que havia chegado para ele o momento do esquecimento de todos os saberes sedimentados pela tradição e que agora o que lhe interessava era "o máximo possível de sabor''. Ele queria escrever como quem cozinha - tomava os cozinheiros como seus mestres. Ele queria ler como quem come uma comida deliciosa.

Mário Quintana também diz do seu sonho de produzir com a escrita, uma coisa que fosse boa de ser comida e trouxesse deleite ao corpo.

Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu lhe saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...

A ideia de comer me sugere uma associação deliciosa. Pois comer não se aplica só ao que acontece a mesa. Comer se usa também para descrever o que acontece na cama. Comer e fazer amor. O cozinheiro e o amante são movidos pelo mesmo desejo: o prazer do outro. A diferença está em que o amante oferece o seu próprio corpo para ser comido, como objeto de deleite. O escritor, à semelhança dos amantes, também oferece o seu corpo ao outro, como objeto de prazer. Só que sob a forma de palavra. Cada escritura é uma celebração eucarística: Tomai, comei, isto e o meu corpo...

A leitura tem de ser uma experiência de felicidade. Desejo o prazer do meu leitor. E cada leitor, como o sugeriu Barthes, impõe ao escritor uma condição para seu prazer: "O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja.'' É preciso que as palavras façam amor, como o sugeriu Andre Breton. Por isso que Borges aconselhou aos seus estudantes que eles só deveriam ler os textos que lhes dessem prazer: "Se os textos lhes agradam, ótimo. Caso contrário, não continuem, pois a leitura obrigatória é uma coisa tão absurda quanto a felicidade obrigatória.'' Não se pode comer por obrigação. Não se faz amor por obrigação. Não se pode ler por obrigação.

É este o secreto desejo de cada escritor: o prazer do leitor.

Enquanto viajava liguei o rádio do meu carro e ouvi o anúncio de um curso de leitura dinâmica: a leitura sob o domínio da velocidade. Esta é a última coisa que um escritor pode desejar. Pois o prazer exige tempo. Quem está no prazer não deseja que ele chegue ao fim. Comer depressa, para acabar logo? Fazer amor depressa, para acabar logo? O prazer é preguiçoso. Arrasta-se. Demora. Deseja parar para começar de novo. E depois de terminado, espera pela repetição.

Esta é a razão por que eu gostaria de ser cozinheiro. É mais fácil criar felicidade pela comida que pela palavra... Os pratos de sua especialidade, o cozinheiro os sabe de cor. Já foram testados, provados, gozados. Basta repetir, fazer de novo o que já foi feito. Mas é justamente isto que está proibido ao escritor. O escritor é um cozinheiro que a cada semana tem de inventar um prato novo. Cada semana que começa é uma angústia, representada pelo vazio de três folhas de papel em branco que me comandam: "Escreva aqui uma coisa nova que dê prazer!'' Escrever é um sofrimento. Todo texto prazeroso conta uma mentira. Ele esconde as dores da gestação e do parto. De vez em quando alguém me diz: "Como você escreve fácil!'' Fico feliz. Alguém me confessou o seu prazer no meu texto. Mas sei que esta facilidade só existe para quem lê. O fogo que me queimou ficou na cozinha. Mário Quintana diz que é preciso escrever muitas vezes para que se dê a impressão de que o texto foi escrito pela primeira vez. Sim, para que se dê a impressão... Porque se o sofrimento do escritor aparece, o seu texto terá o gosto de comida queimada.

Por isso que, a cada semana, sinto uma enorme tentação de parar de escrever. Para sofrer menos. Escrever é um cozinhar em que o cozinheiro se queima sempre.

Mas vale a pena ficar queimado pela alegria no rosto de quem come a comida que se fez.

Rubem Alves

quarta-feira, 16 de julho de 2014

MATINHA, TERRA DE SAMBADORES







“Eu nasci com o samba/e no samba me criei/do danado do samba/ nunca me separei”. Os versos melodiosos de Dorival Caymmi bem que poderiam ter sido escritos por um morador do distrito de Matinha. Lá, as crianças nem bem deixaram a chupeta e já estão na roda, dando vida ao antigo ditado “filho de peixe...”. Por isso a terra da Quixabeira é também dos Sambadores do Nordeste, União do Samba e Samba de Quilombo.

E foram os membros de todas as idades dessas “famílias” de sambadores que fizeram a festa na tarde deste quarta-feira, 16, na Escola  Municipal Rosa Maria Espiridião Leite, que sediou as atividades do Festival Samba de Roda, Samba de Todos, realizado pela Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, em parceria com a Secretaria de Educação. A discussão de hoje foi sobre A Territorialidade do Samba – Portal do Sertão.

“Sou filha do samba, com muito orgulho”, se definiu a adolescente Cleidiane, de 15 anos, antes de entrar na roda e fazer bonito para todo mundo ver. Junto com ela, Aniele Nalanda, de 11 anos e um pouco mais distante Ramon Oliveira, 13, não pouparam animação, sob os olhos da matriarca do samba no distrito, Apolinária das Virgens Oliveira, ou simplesmente Dona Chica do Pandeiro. É que eles fazem parte do grupo Samba de Quilombo, uma espécie de “filho” da Quixabeira.

Mas não é somente a roda de samba que toma a atenção de Dona Chica.  Ouvindo as declarações do palestrante Hygor Almeida, ela balança a cabeça concordando.  “O samba de roda é influenciado por tudo que somos, tem formas diferentes, mas fica tudo igual”, disse o representante territorial de cultura do Portal do Sertão. Ao falar dos símbolos do samba, como a variedade de instrumentos, Hygor defendeu que não há grupo melhor que outro.

Ele falou sobre as diversas formas de manifestação do samba e exemplificou essa pluralidade mostrando, em vídeo, apresentações de grupos de várias cidades do Portal do Sertão, desde o samba de farinhada de Santa Bárbara, e o samba de tocos de Antônio Cardoso ao samba de Lapinha de Santo Estêvão. Hygor citou ainda o samba contemporâneo, em que são introduzidos instrumentos como bateria e baixo, destacando o trabalho da cantora Maryzélia.

A perpetuação do samba através das gerações foi defendida pelo mestre sambador Galdino de Oliveira Souza, Guda, diretor do grupo Quixabeira da Matinha e presidente da Associação de Sambadores e Sambadeias da Bahia (ASSEBA), entidade que conta com o registro de 180 grupos de samba de roda. Ele acredita que isso é possível não somente por meio das famílias, como também através da escola, inclusive com a realização de oficinas de samba de roda e de cultura popular de modo geral.

O festival prossegue quinta-feira e sexta-feira, com atividades nas escolas municipais Ana Maria Alves dos Santos, no Conjunto Feira X, Professora  Olga Noêmia de Freitas Guimarães, no bairro Cidade Nova, respectivamente. Também na Cidade Nova, acontecem as duas grandes rodas de samba que encerram o festival, com a participação de 16 grupos de samba de roda de Feira de Santana e municípios da região. As apresentações estão programadas para sexta-feira, às 17h, e sábado, 10h.

As fotos são de Letícia Sampaio.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

UM OLHAR POSITIVO SOBRE A COPA DO BRASIL



A Copa do Mundo no Brasil tem altos e baixos. Razões para que muitos de nós não desejássemos que aqui fosse realizada não faltaram, como se divulgou amplamente desde que ela foi anunciada para esta pátria amada. Mas, como tudo na vida, há, também, os aspectos positivos deste mundial da bola nos nossos campos. E a essa altura do campeonato, melhor a gente lembrar destes, porque depois do que sofremos hoje, pensar no negativo é desferir um golpe muito forte no coração e ele pode não aguentar.

Então, digo que valeu!

Valeu pelo extraordinário caráter do zagueiro David Luiz, não um ídolo do futebol apenas, mas um brasileiro que merece de todos nós o reconhecimento.

Sim, valeu também por Neymar, que enquanto esteve em campo representou, mesmo sem ter exibido seu brilho máximo, o verdadeiro futebol do nosso país.

Valeu pela recepção maravilhosa do povo brasileiro aos turistas que vieram de tão longe, de tantas nações, e puderam comprovar a hospitalidade, a alegria - mesmo diante de tanta injustiça social -, a honestidade e o companheirismo dos nossos compatriotas.

Valeu pela bela demonstração de civilidade da torcida brasileira presente no Mineirão, que reconheceu a superioridade e excepcional futebol dos alemães, aplaudindo-os mesmo diante de uma goleada tão dolorosa.

Valeu pelo fair play dos jogadores brasileiros. Futebolistas costumam costumam ser violentos quando derrotados. Mesmo sob goleada humilhante, os que sucumbiram perante os alemães souberam perder, sem apelar em nenhum momento para agressões ou para prejudicar o espetáculo.

Valeu pelas ruas enfeitadas de verde amarelo, que coloriram o Brasil e, no Nordeste, fizeram do São João uma festa ainda mais gostosa.

Valeu por ter aproximado mais ainda tantos de nós, nas nossas confraternizações em dias de jogos do Brasil, que celebramos de forma tão saudável e divertida por todo este país.

E valeu, esta Copa no Brasil, por tantas outras razões, que os amigos aqui do face podem enumerar, de acordo com suas convicções.

Por Valdomiro Silva

segunda-feira, 7 de julho de 2014

DE LOCUTOR DE PORTA DE LOJA A NARRADOR DE COPA DO MUNDO






 Paulo Sérgio Coutinho de Freitas, ou Paulo José, como é conhecido. 
Com aproximadamente 30 anos de rádio, PJ já se consolidou como um dos ícones da crônica esportiva, que no vasto currículo está escrevendo mais uma página ao participar da cobertura da Copa do Mundo no Brasil, a segunda,  pela Rádio Sociedade de Feira de Santana. Nesta entrevista o homem que começou como locutor de porta de loja conta como se tornou um consagrado narrador esportivo que coleciona vários feitos, dentre eles a transmissão de uma decisão de Copa do Mundo. 

FOLHA DO ESTADO – O rádio surgiu na sua vida por um acaso, ou o senhor já imaginava um dia trabalhar com a comunicação?

PAULO JOSÉ – Não, de maneira alguma o rádio foi um acaso, mesmo porque, quando a gente ainda é criança, ou mesmo adolescente, já se tem mais ou menos uma ideia de qual a profissão vai exercer e este foi o meu caso. Sempre gostei de jogar futebol e já na minha adolescência, quando ia bater baba com os colegas, lá no bairro Kalilândia, eu muitas vezes deixava de jogar, arrumava um cabo de vassoura e ia para a beira do campo narrar o jogo. Minha referência, naquele tempo era um locutor que trabalhava na Rádio Excelsior da Bahia chamado Paulo José. Eu adorava ouvir as suas transmissões e começa a imitá-lo quando ficava à parte irradiando as peladas. Com o passar do tempo, muitos amigos de baba começaram a dizer “é melhor você narrar do que jogar bola” (risos). Aí foi que realmente eu comecei a perceber o que eu queria para minha vida.

FE – Mas, quando foi que o desejo de ser um comunicador se tornou uma realidade?

PJ – Eu estudei nos colégios Leolinda Barcelar, Oliveira Brito, Agostinho Fróes da Mota e já no começo da juventude fui trabalhar como comerciário. Foi justamente nesta oportunidade que tive de fato o primeiro contato com o microfone, sendo locutor de porta de loja: o gerente do estabelecimento onde eu trabalhava, por nome Belisário, me mandava anunciar os preços dos produtos, as promoções do dia e foi desta maneira que um dia, alguém passou e me viu fazendo locução e me indicou para trabalhar no serviço de auto-falante do meu amigo Antônio Sotero, lá no Alto do Cruzeiro e lá fui eu, ser locutor de serviço de alto-falante que ficava instalado lá no antigo coreto da praça do Cruzeiro. Então o Sotero percebendo o meu dom começou a um levar para a Rádio Fundação de São Gonçalo dos Campos, onde já atuava como radialista e foi justamente lá que eu comecei no rádio e lá também foi onde tive a minha primeira experiência na terceirização porque com pouco tempo, eu fui chamado para fazer parte de um programa terceirizado.

FE – Então pode se dizer que foi um começo complicado no rádio?

PJ – Talvez a palavra “complicado”, seja forte demais. Eu diria que foi difícil, mesmo porque muitas pessoas pensam que é só você ter uma boa voz, ter uma oportunidade, entrar e deslanchar. Isto não é verdade porque nada na vida nada é fácil e eu passei por muitas dificuldades, como por exemplo, de muitas vezes não ter dinheiro para ir para São Gonçalo. A minha mãe, na época era viva, e ganhava vida lavando roupa e muitas vezes tirava um pouco do que ganhava para me dar o valor da passagem para que eu pudesse correr atrás da concretização do meu sonho. Nada é fácil, mas quando você tem perseverança e ajuda das pessoas tudo fica melhor e neste sentido sou muito grato as pessoas que me ajudaram.

FE – Uma vez no rádio, a comunicação esportiva veio de imediato?

PJ – O primeiro contato com o esporte veio através de um convite para trabalhar na antiga Rádio Carioca, hoje Rádio Povo. Na época, o saudoso Marivaldo Bastos tinha uma equipe esportiva e precisava de um plantonista, já que ele e o Jota Alves eram os narradores. Então fui para este desafio, mas achava que não daria muito certo, porém persisti. Depois de uma passagem pela Antares FM (hoje Jovem Pan) vi que o AM era realmente a minha praia e tive oportunidade de ir para a Rádio Cultura e lá passei a fazer parte da equipe esportiva como repórter de pista e exerci esta função por muito tempo. Tive a oportunidade de retornar a Rádio Carioca, como repórter na equipe de Jair Cezarinho e no começo de 1993, por indicação do Rogério Santana fui contratado pela Rádio Sociedade para ser titular na cobertura diária do Fluminense de Feira.

FE – O garoto Paulo José gostava de narrar futebol e uma vez no rádio começou com repórter. Então quando veio de fato a ser narrador esportivo?

PJ – Nas emissoras que trabalhei, sempre tive a oportunidade de narrar esporadicamente, colocando em prática o que eu fazia na época de garoto, me espelhando no Paulo José. Me espelhei tanto, que até meu nome é Paulo Sérgio Coutinho de Freitas, mas adotei o nome de Paulo José em homenagem a minha primeira grande referência de narrador esportivo. Apesar de narrar, ainda me sentia nervoso, inseguro, tinha medo, achava que não daria certo e sempre adiava esta decisão de ser narrador. Porém fui incentivado pelos companheiros Rogério Santana, Jair Cezarinho e Itajay Pedra Branca, que também passaram a ser as minhas grandes referências no rádio, encarei este desafio de ser narrador e graças a Deus, com este meu jeito de ser, me firmei na função, que dentro da crônica esportiva é a mais complicada de fazer e a maior prova disso é que há pouca renovação de narradores esportivos no mercado.

FE – O senhor é conhecido também pelos famosos bordões, como “De rádio pregado no ouvido”, “Arreia, arreia”, “Correndo a sacola”, “Batendo boca de calça”, “Jáaaaa?”, “Acelera, acelera”. Como é que surgem estas ideias?

PJ - (muitos risos) Rapaz é cada coisa que a gente diz, que a gente faz que tem horas que paro e penso “Fui eu mesmo quem falei?”. São coisas que muitas vezes sai assim na hora e que acaba pegando. Por exemplo, o “Arreia, arreia”, é de uma música do Durval Lelys, que ficou na minha mente depois de ter transmitido um carnaval em Salvador. Aí eu vi que as torcidas, quando tinha jogos na Fonte Nova também gritavam isso. Então pensei “Vou lançar isso nas transmissões” e lancei. Não é que pegou? Hoje eu passo nas ruas e o povo grita logo “Arreia PJ” (risos).

FE – Depois de muito e muito tempo, o senhor enfim cobriu uma Copa do Mundo. Como isto aconteceu?

PJ – Eu poderia ter ido a uma Copa do Mundo, bem antes do que eu imaginava. Porém me achava ainda despreparado para fazer a cobertura de um mundial, que de fato é uma marca na história de um cronista esportivo. Em 2010, mesmo com o nome consolidado na narração esportiva, eu ainda eu relutava muito para ir, mas depois da insistência do Dilson Barbosa e do Jorge Bianchi encarei o desafio e fui para a África do Sul. Fizemos um belo trabalho ao lado dos companheiros da Metrópole FM, Edson Marinho, João Andrade e Camila Cintra. Agora estou na segunda Copa do Mundo e há poucos dias tive o privilégio de estar em Fortaleza/CE, no Estádio Castelão, onde ao lado do Rogério Santana, transmiti o empate de 0 x 0 entre Brasil e México. Foi o primeiro jogo que fiz ao vivo no estádio.

FE – Então deve ser uma burocracia muito grande para se fazer uma transmissão destas, não é mesmo?

PJ – Quando fui para a África, fui ao estádio apenas assistir jogos já que nossas transmissões eram feitas no IBC (Centro de Imprensa). É muito dinheiro que se gasta não só para se comprar os direitos de transmissão, mas também para se comprar uma posição de comentarista nos estádios da Copa. São poucos os profissionais que vão ao estádio para transmitir por conta do alto investimento e por isso a maioria das transmissões são feitas nos estúdios. Para mim, foi marcante estar lá, vendo de perto tudo isto e, sinceramente, me arrepio só de lembrar daquele estádio cantando em peso o hino nacional, mesmo com o Brasil fazendo uma campanha de altos e baixos.

FE – Que diferenças, o senhor apontaria entre as Copas da África e do Brasil?

PJ – Muita gente fala disso, mas sinceramente acho que não tanta diferença assim. Se a gente for analisar pelos estádios, não tem nada de diferente e as dificuldades existem, em qualquer lugar, sendo que muitas delas são históricas e não mudam de uma hora para outra. As culturas são diferentes e isso é que deve ser ressaltado porque a gente tem a oportunidade de conhecer outros povos ver coisas que jamais imaginaríamos. Jamais um dia eu pensei de conhecer a África e conheci, me encantei com a alegria deles conheci muito sobre a cultura e a alimentação, embora não me arriscasse muito a comer. Preferia fazer a minha alimentação mais na base de sanduiches do que experimentar as coisas da gastronomia de lá.

FE – Falando nesta parte gastronômica, no rádio, o senhor costuma passar as famosas receitas de bolo. Se o Felipão te ligasse que receita passaria para os jogadores da Seleção Brasileira?

PJ – (risos) Antes de responder esta pergunta esta história de receita é interessante porque num dos aniversários do Dilton Coutinho (apresentador do programa Acorda Cidade), eu lancei a receita de Ki-suco de carambola, além do bolo de abacate com cobertura de chocolate. Não é que isso pegou? Aí começou um monte de gente a ligar para a rádio me pedindo diversas receitas e o negócio tá ficando tão sério, que já me sugeriram lançar o livro “As receitas do PJ” (risos). Para este time do Felipão eu recomendo um bolo de maçã, para relaxar, e um Ki-suco de jenipapo para baixar a pressão porque se a gente for lembrar do jogo com o Chile, foi um verdadeiro teste para cardíaco.

FE – Com duas Copas do Mundo no currículo, podemos então afirmar que o senhor é um profissional realizado completamente?

PJ – Não tenha dúvida disso. Não tenho mais sonhos profissionais a serem realizados porque já fiz tudo que um dia sonhei: fiz Copa América, finais de Campeonatos Baiano, Brasileiro, Libertadores da América, transmiti grandes jogos e até mesmo uma final de Copa do Mundo. O principal sonho que eu tinha que era ser narrador esportivo eu realizei porque, como eu já disse e reitero: dentro da crônica esportiva é a função mais complicada de se fazer e a prova disso é que em Feira de Santana não há uma renovação. Os que estão na ativa já têm muito tempo de rádio, exceto o Valdir Moreira, que veio de Santo Antônio de Jesus, e o Itajay Junior, que já não é tão jovem assim, mas que seguiu os passos do pai, o grande Itajay Pedra Branca.

FE – Por falar nisso, como o senhor se sente vendo o seu filho, Danilo Freitas, seguindo os seus passos investindo na carreira de cronista esportivo?

PJ – (neste momento Paulo José não conteve a emoção) Na verdade, eu não queria... (com a voz embargada).Mas, um dia cheguei em casa, cansado depois de ter feito mais um transmissão e me surpreendi ao ouvir meu filho me imitando, usando bordões com “Acelera, acelera” e “Arreia, arreia”. Aí eu pensei “Meu Deus, será que é isto mesmo que meu filho quer?”. Depois nós conversamos, falei sobre as dificuldades de ser um cronista esportivo, porém ele me confirmou que era isto mesmo que queria e hoje já trabalhamos juntos: eu como narrador e ele como repórter, viajamos juntos, trocamos experiências. É difícil descrever isto. Só sei que para mim é uma grande alegria, satisfação saber que sou um espelho para ele, que tem um grande futuro pela frente e com certeza vai me substituir no dia que eu me aposentar dos microfones.