quinta-feira, 30 de outubro de 2014

EM QUALQUER LUGAR



Getúlio Andrade: Feirense há 50 anos, fez de seu estabelecimento um espaço cultural.


Antigamente cultura era teatro, templos fechados. Hoje se faz cultura em qualquer lugar. Com essa visão, o empresário Getúlio Andrade fez do seu restaurante um espaço aberto aos eventos culturais. Mas não só isso, com viés social. Ele acha mesmo que não é responsabilidade restrita aos órgãos públicos a promoção da cultura e da arte de modo geral.

Imagine se cada bairro de Feira de Santana realizasse a sua própria Feira de Cultura? E por meio dessa iniciativa inibir a violência? É isso que ele está viabilizando no bairro Capuchinhos há cinco anos e já tem exemplos de ideias similares em outros locais. “O artista Herivelton Figueiredo está fazendo exposições de arte no bairro onde mora”, conta Getúlio, entusiasmado.

A inclusão social também pode se dá através da cultura. Por isso, Getúlio Andrade não pensou duas vezes para firmar parceria com a AAPC, entidade que presta assistência a pessoas com câncer, para a realização de bazar beneficente. “Esse viés social dá uma conotação especial à ação”, define o empresário de 64 anos de idade, nascido na cidade de Teodoro Sampaio e que se tornou feirense há 50 anos.

Com o sugestivo nome de Casa do Sertão, o restaurante de Getúlio é palco também para o Encontro de Cachaça e ponto de concentração do irreverente Bloco Tracajá, que reúne profissionais de comunicação e lideranças políticas durante a Micareta. Para ele, cultura é simples assim. “Todo mundo pode fazer”. E pode mesmo.

Madalena de Jesus

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

PELA PORTA DA FRENTE



Lourdes Santana: Polêmica, ela é referência na luta pela cultura negra.

Quem conhece um pouco que seja do movimento negro, com certeza conhece Lourdes Santana. Aquela do concurso de Beleza Negra, das sessões especiais da Câmara de Vereadores, dos projetos que viraram lei, dos eventos para despertar a consciência negra e do Odungê – Núcleo Cultural, Educacional e Social. É ela, Lurdinha, conhecida pelo jeito briguento de ser, que agora preside o
Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento de Comunidades Negras.

“O nome é grande, porque a atuação é abrangente”, diz Lurdinha, explicando que o colegiado envolve não somente o negro, como índio, cigano e albino. E em Feira de Santana essa grandeza da denominação faz jus ao trabalho realizado. “Hoje muitas ações que envolvem a questão social são viabilizadas por meio do conselho”, ressalta, citando a campanha contra o preconceito racial, promovida pela Secretaria Municipal de Prevenção à Violência e Promoção dos Direitos Humanos (Seprev).

Na saúde, segundo ela, também já conta com um departamento que trabalha voltado para a população negra, principalmente com relação à anemia e ao glaucoma, com algumas clínicas parceiras inclusive fazendo mutirões. Mas o ponto alto mesmo é a cultura. “Nós tivemos dois secretários que se importaram de verdade com a cultura negra em Feira de Santana, Armando Sampaio (no governo do ex-prefeito Colbert Martins da Silva) e agora Jailton Batista”, afirma.

Com relação à atual gestão da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, Lurdinha lamenta que ainda não haja o retorno ideal por parte das entidades para as ações implementadas. Um exemplo foi o Novembro Negro, onde os grupos que se apresentavam nem sequer esperavam a próxima atração. “É uma pena ver que alguém se propõe a mostrar a negritude de Feira de Santana de forma bonita e harmoniosa e esse trabalho não tem resposta”, lamenta.

Afirmando que nesses 40 anos de participação no movimento aprendeu a criticar o errado e aplaudir o correto, Lurdinha diz  que a sua briga constante é pelo negro e garante: se tiver outra vida, quer voltar negra, feirense e ter oportunidade de continuar esse trabalho.

Um orgulho: Ter entrado no movimento negro “pela porta da frente”, pelas mãos de Gilsan (pedagogo, cantor e seu irmão), Nilson Rasta, Nunes Natureza, Antônio Anunciação, Dionorina, Cristina, Jorge de Angélica... Ela lembra que já na primeira reunião foi definida a realização do Beleza Negra, concurso que ganhou destaque na cidade.

Uma realização: O Odungê. Hoje Lurdinha é conhecida em várias partes do Brasil, especialmente em Brasília, por conta dos projetos do núcleo que dirige.  “A entidade é uma marca forte e lá (na capital federal) eu sou conhecida como Lourdes do Odungê”, conta. O nome foi criado por Carlos Lima e quer dizer o dom da prosperidade. “E o Odungê abre portas, cria oportunidades. Esse é o nosso objetivo maior”, ressalta.

Um arrependimento: Não ter ido à África, quando foi convidada por Nelson Mandela.

Madalena de Jesus

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

PAIXÃO POR QUADRILHAS


Vilma Soares: Defensora da preservação da dança que virou manifestação cultural.


Mais do que uma dança bonita emoldurada por trajes coloridos e músicas alegres, a quadrilha junina é uma manifestação cultural que ao longo do tempo deixou de ser apenas um atrativo nas festas do mês de junho. Ganhou status de espetáculo! Essa é a motivação de Vilma Soares, quadrilheira por paixão e convicção, que a cada dia se destaca na defesa dessa tradição que veio da Europa e nunca mais saiu da Bahia.

Aliás, paixão é o combustível que Vilma usa para dar conta de tudo que se propõe a fazer. Para se ter uma ideia, ela preside uma associação de bairro (Chácara São Cosme, onde mora), cuida da apresentação dos grupos de  quadrilha e há 10 anos dirige o bloco Folia Caipira, que anuncia os festejos juninos durante a Micareta de Feira de Santana. E advinhem o que vem sempre à frente do bloco na avenida?Uma quadrilha junina, claro.

O Dia Nacional do Quadrilheiro – 27 de junho, data criada por meio da lei 12.390/11 – é uma das conquistas dos defensores do movimento de preservação da cultura junina. E motivo de comemoração, em praça pública, com desfiles que chamam a atenção pela beleza, seja pela harmonia da dança em duplas repetindo movimentos ao som de comandos herdados da língua francesa como anavantu (en avant tout, todos para a frente) e anarriê (en arrière), que significa voltar– seja pelo figurino, quase sempre extravagante.

Aliás, o figurino é um destaque à parte na apresentação dos grupos. Por isso, há alguns anos Vilma criou um novo motivo para colocar o quadrilheiro em evidência. Os amantes desse movimento e curiosos podem ver peças selecionadas em exposições anuais realizadas no Museu Parque do Saber, sempre sob o olhar orgulhoso de Vilma. “A quadrilha hoje faz parte de nossa cultura”, atesta a líder comunitária.

Madalena de Jesus

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A CULTURA NOSSA DE CADA DIA



Jailton Batista: Humanizar as pessoas por meio da cultura.






Dizem que toda unanimidade é burra. Não sei exatamente de onde saiu essa história. Mas há controvérsias, principalmente quando a questão é a cultura de Feira de Santana. O fato é que o segmento deu um salto de 2013 para cá. As portas da casa foram escancaradas desde que o jornalista, escritor e empresário Jailton Batista assumiu a Secretaria Municipal de Cultura, Esporte Lazer. Foi estabelecido, de fato, o diálogo com a classe artística.

Ao longo de sua história a Secel realizou eventos pontuais e garantiu apoio a outros tantos. Micareta, São João, São Pedro e Expofeira figuram entre as festas de grande porte, que absorviam o trabalho e os recursos da pasta. Elas permanecem, com mudanças, é claro. Para melhor, dizem uns; nem tanto, avaliam outros. Os pequenos eventos também passaram a ter tratamento diferenciado.

Mas o grande mérito da atual gestão da Secretaria de Cultura não reside em realizar pequenos ou grandes eventos. Fazer funcionar em toda sua plenitude o Conselho Municipal de Cultura é ação que merece citação. “Teremos um Plano Municipal de Cultura para os próximos 10 anos”, anuncia o secretário Jailton Batista. Trabalho do conselho, todo mundo ali quietinho, se reunindo uma vez por mês – ou mais, caso seja necessário – formando comissões de estudo.

A valorização da cultura passa por uma série de projetos. Como o Festival Samba de Roda, Samba de Todos, que reuniu grupos de Feira de Santana e Região em seminários, ações em escolas da rede municipal e apresentações em praça pública. Ou o Novembro Negro, que promoveu uma semana de atividades ligadas à cultura negra, de shows musicais a exposições de arte, também aberto à comunidade.

O Natal Encantado, realizado pela primeira vez e cuja segunda edição já está totalmente organizada, foi um marco na história recente de Feira de Santana. “Vimos pessoas da periferia assistindo concertos musicais e espetáculos de dança e teatro de alta qualidade”, lembra Jailton. O projeto contemplou a população feirense e visitantes com atividades culturais de todas as modalidades espalhadas em vários pontos da cidade.

O projeto Acordes, que leva música para as escolas por meio de parcerias com a iniciativa privada e o apoio da Secretaria Municipal de Educação,  também vem tendo ressonância junto à comunidade. A proposta, nesse segmento, é formar uma orquestra infanto juvenil. “Uma cidade que cresce na cultura humaniza as pessoas”, aposta o secretário Jailton Batista.

Madalena de Jesus

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

TUDO PELO FLUMINENSE

Carlinhos do Megafone: Amor incondicional pelo clube de futebol feirense.


O megafone  é um aparelho em forma de cone, utilizado para amplificar sons em manifestações, eventos esportivos e anúncios. Nos filmes, normalmente aparece nas mãos de policiais ou bombeiros para comunicação à distância. Em Feira de Santana ele é mais que isso, é uma espécie de amuleto que o marceneiro Luís Carlos Maia Santos carrega consigo há anos, para fazer ecoar seus gritos de torcedor do De euforia e comemoração em alguns momentos; de desespero e crítica em outros.

Ligado em futebol “desde sempre”, como costuma dizer, Carlinhos do Trombone (apelido que ganhou por razões óbvias) jogava na escolinha do Fluminense e aí está explicada toda essa paixão, que só divide com o Flamengo, a sua seleção. “Meu fluminense é o time do coração”, afirma emocionado, destacando que é a sua maior referência de lazer e esporte desde menino.

“Toda cidade grande tem que ter um time grande e o Fluminense é uma grande marca”, diz o torcedor, que se define como apaixonado – não fanático. O que falta, então? “Falta pulso, uma pessoa que chegue lá e diga: vamos colocar o Fluminense onde ele merece estar”, responde sem pestanejar. Para ele, o clube deveria estar na primeira divisão. “Tem times menores de cidades do sul do país que estão lá”, comenta.

A primeira divisão é para almejar. Por enquanto, o Flu de Feira está na segundona, o que para um torcedor tão fiel “está de bom tamanho”. Mesmo que para isso seja preciso gritar muito. E é exatamente isso que Carlinhos faz nos jogos do seu time, seja em Feira de Santana, em outras cidades ou até em outros estados. Tanto que muitas vezes perdeu a voz, literalmente, após as partidas mais difíceis.

Foi aí que, um belo dia, ele fazia um trabalho de marcenaria na casa do cantor Paulo Bindá e viu um megafone pequeno, jogado em um canto. “Pedi a ele e disse: só assim agora eles vão me ouvir”. Dito e feito. A partir de então – isso foi há uns 25 anos – ele se tornou pioneiro em frequentar estádio de futebol com um megafone. Virou atração e chamou a atenção da mídia. Tomou gosto e comprou um equipamento maior e o megafone se tornou marca.

Carlinhos do Megafone foi tema do noticiário esportivo nacional e acabou se tornando amigo da imprensa esportiva feirense, mas assegura que nunca teve a intenção de aparecer. “É o Fluminense é que deve estar em evidência”, resume. Ele já foi chamado para eventos e até para participar de campanhas políticas. Já tentaram afastá-lo do Joia da Princesa (Estádio Alberto Oliveira), mas foi em vão.

E ele continua lá. De forma pacífica, sugere alterações no time, conversa com o treinador, chama a atenção de todos. E, principalmente, vibra pelo time. Apesar de afirmar que existe “muita coisa errada”, o amor pelo Fluminense continua inabalável. “Isso não vai mudar nunca”, garante o torcedor, em alto e bom tom, mesmo sem o auxílio do megafone.

Madalena de Jesus

domingo, 12 de outubro de 2014

"AMISTAD" E O NORTE/NORDESTE BRASILEIRO




Acabo de assistir ao filme Amistad, baseado em fatos reais, do diretor Steven Spielberg com roteiro de David Franzoni. A sinopse do filme é a seguinte: Costa de Cuba, 1839. Dezenas de escravos negros se libertam das correntes e assumem o comando do navio negreiro La Amistad. Eles sonham retornar para a África, mas desconhecem navegação e se veem obrigados a confiar em dois tripulantes sobreviventes, que os enganam e fazem com que, após dois meses, sejam capturados por um navio americano, quando desordenadamente navegaram até a costa de Connecticut.

Os africanos são inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação, mas o caso toma vulto e o presidente americano Martin Van Buren (Nigel Hawthorn), que sonha ser reeleito, tenta a condenação dos escravos, pois agradaria aos Estados do Sul e também fortaleceria os laços com a Espanha, pois a jovem Rainha Isabella II (Anna Paquin) alega que tanto os escravos quanto o navio são seus e devem ser devolvidos.

Mas os abolicionistas vencem, e o governo apela e a causa chega a Suprema Corte Americana. Este quadro faz o ex-presidente John Quincy Adams (Anthony Hopkins), um abolicionista não assumido, sair da sua aposentadoria voluntária, para defender os africanos.

Mas o que tem a ver uma história de 1839, nos Estados Unidos, com o Norte/Nordeste do Brasil?
A resposta é o segundo turno das eleições presidências entre os candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves. Existem grupos de eleitores que, diante da disputa eleitoral, estão demonstrando, por meio das redes sociais, todo o sentimento de raiva, racismo, preconceito e repulsa a essas duas regiões e seus habitantes, como se nós fôssemos as sub-raças que Adolf Hitler tanto pregou e levou o mundo a Segunda Grande Guerra.

Para se ter uma ideia dos absurdos, um grupo que se declara profissionais da classe médica, com quase cem mil seguidores, denominados de “Dignidade Médica”, defende a castração química dos nordestinos e nortistas e até mesmo o holocausto dos moradores das regiões Norte e Nordeste do País. Já outros defendem a construção de muros separando Norte e Nordeste do Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Será que uma disputa eleitoral dentro dos princípios democráticos deve dividir um país e fazer com que irmãos desconheçam irmãos? Será que a melhoria na qualidade de vida dos habitantes dessas regiões, o acesso ao ensino superior e tecnológico, a uma melhor moradia e uma melhor distribuição de renda nessas regiões do Brasil, que por muitos anos foram esquecidas, pode gerar tanta raiva ao ponto de se pregar uma segregação?

Não muito distante, em Feira de Santana, um outro grupo de médicos procura casa em bairro nobre da cidade para abrir um Comitê Pró Aécio Neves. É um direito que o assiste, e temos que respeitar. Mas não seria mais prudente se esse mesmo grupo alugasse uma casa em um dos bairros carentes da cidade e lá dedicasse uma pequena parte de seu precioso tempo para atender seus moradores e através de seu trabalho “comunitário” fizesse sua política partidária?
Vale lembrar que boa parte desses senhores médicos estudou em instituições públicas bancadas com o dinheiro de todo brasileiro de todas as cinco regiões do País.

Eleição não é para dividir. O futuro presidente será presidente de todo o Brasil, de todos os brasileiros. Que, no próximo dia 26, cada um seja um pouco John Quincy Adams e que esse país realmente seja uma República Federativa. Pois, como disse o ex-presidente Getúlio Vargas, em sua carta testamento “Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém”.

Viva o Brasil. Viva o povo brasileiro.


Cláudio Rodrigues
Consultor de Vendas